quarta-feira, 8 de julho de 2015

A mídia de hoje tem as mesmas caras, linguagens e emissoras sem pudor da ditadura

Dia-logar: transcender a palavra: A mídia que ajudou a ditadura hoje é pior que no p...: Laurindo Lalo Leal Filho "Dia 1º de abril de 1964. Cinelândia, Rio de Janeiro. Em frente ao Clube Militar, um garoto de 12 anos co...

A mídia que ajudou a ditadura hoje é pior que no passado

Laurindo Lalo Leal Filho

"Dia 1º de abril de 1964. Cinelândia, Rio de Janeiro. Em frente ao Clube Militar, um garoto de 12 anos começa a gritar 'Jangooo', 'Jangooo'. Um homem alto e magro, cabelo cortado recente, bigodes finos, aponta a sua automática e explode a cabeça do menino. Nesse dia eu era diretor de jornalismo da Rede Excelsior de Televisão, na época líder absoluta de audiência. Nessa mesma noite de 1º de abril, no Jornal de Vanguarda, a cena foi ao ar", lembra Fernando Barbosa Lima no livro Gloria in Excelsior escrito por Álvaro de Moya. Era o início de uma longa ditadura e o começo do fim da única rede de televisão brasileira que, um dia, alinhou-se a um projeto nacional de desenvolvimento autônomo liderado pelo presidente João Goulart.

O Jornal de Vanguarda, havia sido premiado pela Eurovisão, a rede europeia de televisões públicas, como melhor do mundo no seu gênero, superando os programas de notícias da BBC de Londres. Com recursos e independência, a Excelsior criava um novo padrão de qualidade para a TV brasileira, copiado depois pela Globo. Ao tiro na Cinelândia seguiu-se a invasão da emissora por policiais armados e a derrocada de um império comandado pelo empresário Mário Wallace Simonsen. Figura esquecida intencionalmente pela mídia de hoje já que sua lembrança destroi a lenda golpista de que o Brasil de Jango caminhava para o comunismo.


Cena do filme VIII – Memórias do Subdesenvolvimento (1968), de Tomás Gutiérrez Alea, com ator Jardel Filho

O dono da Excelsior, e também da Panair do Brasil e da maior empresa exportadora de café do pais, a Comal, de comunista não tinha nada. Tinha, isso sim, convicção que seus negócios só prosperariam se o país crescesse de forma independente, livre do jugo imposto pelos Estados Unidos. Disputava o mercado internacional do café com o grupo Rockfeller.

Esteve ao lado da ordem democrática durante os governos Juscelino, Jânio e Jango. Mandou um avião da Panair buscar o vice-presidente Goulart em Pequim, durante a crise da renúncia de Jânio em 1961 e hospedou-o em seu apartamento de Paris, durante uma das escalas da longa viagem. Os golpistas nunca o perdoaram.

Os projetos de reformas de base enviadas por Jango ao Congresso, em março de 1964, se efetivados, encaminhariam o Brasil para o patamar de “potência independente, com ascendência sobre a América Latina e a África” no dizer do sociólogo Octavio Ianni no livro 'O colapso do populismo no Brasil'.

A essa política se contrapôs, com o golpe, um modelo de capitalismo associado e dependente mantendo o Brasil na condição de satélite da órbita centralizada pelos Estados Unidos. Coube à mídia dar respaldo à subserviência, sem o qual a ação dos golpistas e depois a da ditadura, teria sido mais árdua.

No centro desse processo, como coordenador do trabalho de conquista dos corações e mentes da sociedade, estavam o Instituto de Pesquisas Sociais, o IPES e o Instituto de Ação Social, o IBAD. Um complexo de produção ideológica que “publicava diretamente ou através de acordo com várias editoras, uma série extensa de trabalhos, incluindo livros, panfletos periódicos, jornais, revistas e folhetos. Saturava o rádio e a televisão com suas mensagens políticas e ideológicas”, como mostra a pesquisa de Rene Armand Dreifuss, publicada no livro '1964: a conquista do Estado'.

A máquina da desinformação, azeitada por recursos captados nas elites empresariais pagava os donos de jornais, rádios e TVs ou diretamente os jornalistas, executores das pautas de interesse dos golpistas.

É precioso o relato de Rene Dreyfuss ao demonstrar como "o IPES organizava equipes de ‘manipuladores de notícias’ que preparavam e compilavam material sob a coordenação geral do general Golbery do Couto e Silva, especialista em guerra psicológica. Esses manipuladores se responsabilizavam pelas ‘campanhas de pânico’. A ‘campanha da ameaça vermelha’ empreendida pelo IPES mostrou-se muito útil na melhoria de sua situação financeira, já que atraiu contribuições de empresários tomados de pânico e profissionais que temiam o futuro".

Segundo Dreyfuss, "eram também 'feitas' em O Globo notícias sem atribuição de fonte ou indicação de pagamento e reproduzidas como informação factual. Dessas notícias, uma que provocou um grande impacto na opinião pública foi a de que a União Soviética imporia a instalação de um Gabinete Comunista no Brasil, exercendo todas as formas de pressões internas e externas para aquele fim".

O envenenamento simbólico de parte da população era feito com muita competência e a própria mídia apresentava possíveis antídotos, além do golpe que estava sempre presente no horizonte.Sem registros históricos, um desses antídotos só não é risível porque o momento não estava para brincadeiras. A TV Paulista e a Rádio Nacional de São Paulo, que depois seriam vendidas para as Organizações Globo, numa operação até hoje contestada na justiça, propiciaram um espetáculo bizarro na semana santa que antecedeu o golpe.O apresentador do programa de rádio diário, "A hora da Ave Maria", Pedro Geraldo Costa, foi a Jerusalém às expensas das emissoras e de lá trouxe uma cruz enorme de madeira que chegou ao Rio de Janeiro de avião e seguiu em peregrinação para São Paulo trafegando lentamente pela via Dutra, com uma parada simbólica em Aparecida. Nas proximidades da capital foi içada por um helicóptero e suavemente depositada no Vale do Anhangabaú em meio a multidão convocada pelo rádio e pela TV para orar junto à cruz pelo país. Episódio esquecido que, no entanto, se articula com as marchas religiosas e golpistas do período, insufladas pela mídia.

Como depois as pesquisas do Ibope mostraram, essas multidões arregimentadas pelo conluio igreja-meios de comunicação representavam parcelas minoritárias da população. A maioria apoiava o governo Jango e a sua política reformista. Mas até hoje, passados 50 anos, o golpe ainda é apresentado pela mesma mídia como tendo sido respaldado pelo povo. Foi apenas por aqueles que se deixaram levar pela insidiosa campanha midiática do início dos anos 1960.

Apesar do desfecho trágico que levou o Brasil a uma ditadura sanguinária, em termos de mídia estávamos melhor naquela época do que hoje. Nas bancas, a Última Hora era a alternativa aos jornais reacionários, a TV Excelsior abria espaço para o contraditório e algumas emissoras de rádio mantinham-se alheias as pressões golpistas, como a 9 de Julho de São Paulo, cassada pela ditadura.

Hoje nem isso temos, possibilitando que apenas uma versão, a dos golpistas, continue circulando pela mídia tradicional.

O "esquecimento" de figuras como a de Mário Wallace Simonsen e de episódios como a da cruz que veio de Jerusalém são propositais.

Se lembrados poriam em cheque a ameaça comunista e o apoio espontâneo das massas ao golpe.Versões distorcidas, bem ao gosto do Instituto Millenium que está ai como um fantasma a lembrar alguns traços assustadores dos antigos IPES e IBAD.

Transcrito de http://www.ligiadeslandes.com.br/21/04/2014/a-midia-que-ajudou-a-ditadura-hoje-e-pior-que-no-passado/

domingo, 5 de julho de 2015

"Bancada evangélica reflete a sociedade: conservadora, violenta e desigual

Dia-logar: transcender a palavra: "Bancada evangélica reflete a sociedade: conservad...: Para o professor de Antropologia Ronaldo Almeida, da Unicamp, Brasil vive ambiente de intolerância generalizada fincado em três palavras: ó...

"Bancada evangélica reflete a sociedade: conservadora, violenta e desigual"

Para o professor de Antropologia Ronaldo Almeida, da Unicamp, Brasil vive ambiente de intolerância generalizada fincado em três palavras: ódio, fobia e vingança

Na última quinta-feira (2), a Câmara aprovou a redução da maioridade penal para 16 anos em casos de crime hediondo. O articulador e principal entusiasta da votação foi o presidente da Casa, Eduardo Cunha. Evangélico, Cunha é um dos principais nomes da chamada "bancada da Bíblia", que congrega 75 deputados.

No mês passado, a menina Kaylane Campos, de 11 anos, foi apedrejada ao sair de um culto de candomblé no Rio de Janeiro. Os suspeitos do ataque são participantes de uma igreja evangélica.

São duas manifestações do comportamento evangélico – notadamente das denominações neopentecostais – que, mais do que perfilar esse segmento da população, refletem uma onda mais conservadora que abrange a sociedade toda, na opinião do professor Ronaldo Almeida, professor de Antropologia da Unicamp e diretor cientifico do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).



Caso: Avó de menina vítima de intolerância religiosa denuncia outros casos

Para o pesquisador, o Brasil vive um conservadorismo que pode ser percebido em três sentimentos que têm impulsionado a população: o ódio (contra os gays, as religiões diferentes), a fobia (é tanto medo que boa parte dos brasileiros aprova legislação mais permissiva em relação ao porte de armas) e a vingança (refletida no apoio da maioria à redução da maioridade penal).

Confira a entrevista abaixo:

iG: Esses casos recentes de intolerância religiosa no Rio de Janeiro podem ter relação com essa guinada à direita que vive o Congresso Nacional, com a bancada evangélica tão em evidência?

Ronaldo Almeida: No Brasil, o que se consolida é o pluralismo no interior do cristianismo, cujo movimento principal são católicos se tornando evangélicos. Esse aumento do contingente vai além dos templos, se reflete no âmbito da política, da economia, da mídia. A partir dos anos 2000, começou um movimento mais agressivo de influência dos fundamentalistas evangélicos que foi além do espaço que antes era ocupado por essa bancada no Congresso. Até então, os parlamentares dessa base se juntavam em comissões específicas, como a de Comunicação – até pelo interesse em espaços de mídia. Nos últimos anos, a área de influência foi alargada para a discussão sobre moralidade pública.

Como no caso da comissão de Direitos Humanos...

Em 2010, o José Serra [candidato à Presidência pelo PSDB] colocou o pastor Silas Malafaia para atacar a Dilma [à época candidata pelo PT] sobre o tema do aborto. Foi o início. Depois, com Dilma já no poder, o PT fez aquela besteira de entregar a Comissão de Direitos Humanos para o PSC [Partido Social Cristão]. O presidente, como todos sabem, foi o deputado Marco Feliciano. Na comissão de Direitos Humanos, esses religiosos acharam um espaço para lidar com temas morais. E essa comissão, que antes cuidava das minorias, como a causa indígena, começou a ter uma pauta moralista, a travar uma disputa pela moralidade pública, a replicar aqui temas do fundamentalismo norteamericano, como o ensino religioso e o criacionismo.

E que vai além disso, não é? Muitos dos parlamentares da bancada evangélica compõem também a conhecida bancada da bala, que pede a revogação do Estatuto do Desarmamento...

O que está acontecendo agora no Congresso é uma onda de conservadorismo, mas uma onda quebrada, que quebra para vários lados. Por exemplo, Eduardo Cunha está à frente da bancada da segurança e da evangélica. Há, de fato, um discurso mais moralizador, de contenção ao secularismo, de contenção a uma série de direitos historicamente conseguidos no âmbito progressista. No lugar do que já se conquistou, os conservadores têm três projetos que dão tona às causas que defendem: o Estatuto da Família [determina que apenas a união de um homem e uma mulher pode constituir uma família, além de restringir a possibilidade de adoção por casais homossexuais], o Estatuto do Nascituro [lei que garante proteção jurídica aos embriões, o que eliminaria a possibilidade de aborto legal em qualquer caso, inclusive o de estupro] e a Cura Gay [projeto que permite aos psicólogos promover tratamento com o objetivo de curar a homossexualidade]. É uma proposta moralizante e que busca regular a família e a sexualidade da população brasileira. 

São causas que ganham apoio mesmo fora do âmbito evangélico fundamentalista, não é? Porque a população é conservadora.

Sim. Não é só religião. É uma moral da sociedade que não admite essas coisas. Tanto que, na defesa do ensino religioso, católicos e evangélicos estão unidos. 

O mais grave desses casos recentes de intolerância religiosa é o conservadorismo atrelado à violência.

Na questão religiosa, os fundamentalistas acabam por fomentar a ação violenta. O que não é novidade: basta lembra que o episódio do pastor da Igreja Universal que chutou uma imagem foi em 1995. É a cultura de demonizar o outro, de vilipendiar as outras religiões. Tem uma coisa cínica no Malafaia: na prática, ele diz: “o Estado laico tem de garantir que eu posso demonizar o outro”. É o oposto da noção clássica do protestantismo: de liberdade individual. Mas, no fundo, o que a bancada evangélica mostra são expressões de coisas mais profundas da sociedade: conservadora, violenta, hierárquica e desigual.

Somos, os brasileiros, violentos e conservadores?

O que vejo é um ambiente de intolerância generalizada na sociedade, uma intolerância fincada em três palavras: ódio, fobia e vingança. Ódio de quem pensa diferente de mim, como o gay e aquele que tem uma religião diferente, medo de tudo, o que me faz defender o armamento, e sede de vingança, o que me faz querer que haja a redução da maioridade penal. Ódio, fobia e vingança, são as três palavras tidas como fonte de energia, canalizadas e espalhadas pela sociedade. A sociedade é violenta, o Estado é violento. É uma lógica de guerra. O jogo democrático admite adversário, mas no Brasil nos tratamos como inimigos.

Como isso aconteceu?

Ainda estamos em uma disputa político/cultural, mas os setores mais progressistas estão perdendo. Estão em desvantagem porque perderam porta-vozes também. A esquerda, por exemplo, ela tem culpa porque a conquista dos direitos era pauta dela. Agora, nesse cenário político tenebroso, quem está podendo falar de direito, de democracia? O medo é se vamos aprofundar.

Como reverter essa situação?

A expectativa é de que tenha uma contra-ofensiva: bons pastores, mais igrejas inclusivas. A boa notícia é que, quanto mais o País se torna evangélico, mais os evangélicos se tornam brasileiros. Isso significa religiosos não praticantes e mais circulantes, que buscam conveniência. Se eu quero louvor, vou a determinada igreja. Se quero estudo bíblico, vou a outra. E assim vou calibrando minha espiritualidade.

Transcrito de: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2015-07-04/bancada-evangelica-reflete-a-sociedade-conservadora-violenta-e-desigual.html

sábado, 4 de julho de 2015

Onde parou o evangélico na bancada? A microfísica do poder atribuído pelas igrejas

Dia-logar: transcender a palavra: Onde parou o evangélico na bancada? A microfísica ...: Antonio Carlos Ribeiro* A atuação da bancada evangélica – uma composição de cerca de 75 deputados e senadores, eleitos por setores de i...

Onde parou o evangélico na bancada? A microfísica do poder atribuído pelas igrejas

Antonio Carlos Ribeiro*

A atuação da bancada evangélica – uma composição de cerca de 75 deputados e senadores, eleitos por setores de igrejas evangélicas – que chegou ao poder pelas eleições de outubro passado, com uma composição logo identificada como a mais conservadora desde a ditadura militar, provocou duas reações. A primeira, dos que os elegeram, os grupos mais conservadores das igrejas pentecostais, que deram ‘glória a Deus’ pela conquista histórica e ganharam, finalmente, alguma ‘cidadania’ representativa. A outra, de setores progressistas das igrejas cristãs ecumênicas, que relutaram em esconder a decepção, empenharam-se pelo projeto político já em andamento e só descansaram após a vitória dos partidos progressistas na eleição presidencial.

Após o êxtase, a bancada evangélica (da bíblia) se articula com as da segurança (bala) e  do agronegócio (boi) para alcançar o retrocesso político de 40 anos em apenas seis meses 

Após o segundo turno da eleição, começou o golpismo que mobilizou as forças mais obscurantistas do país, recrudescendo o já ocorrido nas eleições de 2010. Todos sabiam o que significavam as propostas do projeto vitorioso, ao mesmo tempo começaram as reviravoltas, as lutas de bastidores, o desmonte do projeto que a população brasileira escolheu. O golpismo manteve as cores e as estratégias de meio século atrás e o novo ano começou sob a égide do ressentimento frente à decisão popular. No entanto, o pior golpe para o mundo evangélico foi deparar-se com os parlamentares que elegeu. Na Câmara, dos 11 membros da diretoria, oito respondem a processos, dos quais quatro já foram condenados. Alguns têm ficha criminal extensa. Aí as igrejas se surpreenderam com o grupo integrado por ‘evangélicos’.. 

A perplexidade da população frente às igrejas cristãs representadas nesses parlamentares logo se mostrou. Ao mesmo tempo, começou uma articulação para a manutenção dos eleitos e, sobretudo, de sua legitimidade dada pelo voto das igrejas em resposta à sociedade. O sentimento é o da falta de esperança nesta ‘diretoria’ oriunda da igreja, que só após ser eleita em assembleia ficou visível para o conjunto dos eleitores. Há quem gostou, quem ficou indiferente, quem não sabe como foram eleitos, quem se decepcionou profundamente, e até quem já escolheu outra igreja na qual congregar, por prever, pela vivência de fé e de experiência de vida, que o grupo eleito não estava preparado. Houve quem marcou prazos para o primeiro conflito. E ainda quem se dispôs a mediar conflitos, buscar alternativas e pedir uma semana de oração, para a comunidade não se desintegrar com o mal-estar. 

No primeiro semestre a situação política se agravou, o golpismo encontrou resistências, a sociedade rejeitou mais fortemente que o esperado e chegaram os impasses. Na crise que se agudiza entre os recursos da corrupção, as denúncias das estratégias surgidas nos plenários, da bancada sucumbido – já distanciada de sua base eleitoral – e evocando razões próprias, começam os escândalos. O presidente eleito da Câmara dos Deputados, já conhecido por sua capacidade de conseguir acordos nos bastidores, tendo que pagar dívidas de campanha aos financiadores, não se furtou em assegurar o grupo em torno de si, e nem de ameaçar. Dos parlamentares eleitos à presidente da República. A bancada de maioria absoluta masculina e já atrelada às bancadas do agronegócio e da segurança, se entregou sem resistência. Os demais parlamentares e a Presidente, vencem algumas batalhas e perdem outras. 

Se o maior impacto da crise das igrejas aparentemente passou, pelo distanciamento do contato com a comunidade, a crise maior se estabelece. Com os representantes das igrejas e o caos surgido da gestão toma-lá-dá-cá própria do parlamento, com a bancada que manteve lobos muito espertos e jovens cordeiros ingênuos, que apõem a assinatura sem discutir, nem responsabilidade a assumir e sequer entrevistas a dar, já que compõem a raia miúda do Congresso, parte significativa exercendo a primeira legislatura. Sequer se destacam, já que são somente votos, dados sem questionamento, levados de roldão por lideranças de dentro e de fora. 

Se nos três dias de cada semana, contados a cada hora, minuto e segundo passados na casa legislativa, o alívio fica sempre para a 4ª ou 5ª feira, se houver votação importante, em sessão na qual faltar significa alta traição, como com Idi Amin Dada - esconjurados todos os demônios do cozinheiro que virou general e ditador de Uganda no período de maior repressão da nossa ditadura (1971-79) - dos quais alguns desses rapazes que atuaram nas lideranças da juventude das igrejas sequer ouviram falar. Esse fato é fundamental para que possam assumir o papel desses ‘demônios’ chamando-os, suavemente, de espírito patriótico e democrático. 

Acresça-se a isto a baixa formação política, a ligação a partidos surgidos nos últimos anos, filhos de pastores cada vez mais tradicionais, autoritários e moralmente rígidos, apesar da flacidez física e emocional imposta pelo tempo. As respostas, propostas no desespero das igrejas que representam, é ainda mais frágil e com pouca expectativa. As ‘irmãs e irmãos na fé’ dizem que á uma fase, que vai ser superada e que estão no caminho certo de defesa da família – valor fundamental, apesar das diversas ‘tentações’ abalarem casamentos – amplificando a crise e fazendo surgir soluções de ‘curativo’ na realidade que pede cirurgia. 

Os novos parlamentares são soldados armados com o mandato, seguindo generais de apenas mais idade e um lema a ser seguido: a preservação da família e da igreja – sempre conseguindo recursos, se possível emissoras de rádio – e a sociedade quando for possível. Vai lutar neste caso, mas com a certeza de ter ‘salvo’ o básico. Não importa o que venha, serão guardados e protegidos, não se animarão a consultar suas bases – já que não conhecem a Câmara, nem a política e nem o poder – tarefas sempre dos líderes de sempre – com ordens objetivas a executar e a própria crise emocional, sob o confronto de uma batalha para a qual não se prepararam. 

Aderir à política tradicional é a única não-opção que têm. Ou esgueirar-se pelos cantos dos corredores, escadas e rampas do Parlamento, até os quatro anos se passarem e poderem voltar à pequena cidade, igreja, vida familiar. Ou ficarem por lá ad aeternum, com ‘jeitinho brasileiro’ aprovando uma emenda em 25 anos, como Bolsonaro. Parece que as velhas lideranças – sem perspectiva, formação, amoldadas à corrupção e justificadas por razões muitas – não tinham muito a deixar aos que as sucederam, da própria família, da mesma igreja e com a experiência de retiros, congressos e convenções. 

O país vive uma lacuna absolutamente inusitada de legisladores, com demandas monumentais resultantes dos avanços da década. Em todas as áreas há projetos a serem aprovados, lógicas novas de um mercado que cresceu, práticas de implementação a serem revistas, propostas inéditas que exigem formação e especialização, e paradigmas que já mudaram, estabelecendo novos vetores, parâmetros e dimensões. E as igrejas agora percebem que seus ‘jovens valorosos’, ‘grandes lideranças’ em que projetaram ‘muitas expectativas’, se mostram aquém do esperado em seu tempo e campo de atuação. Sem falar na ponte inexistente entre as igrejas e a sociedade. Quem vai mediar os conflitos, propor soluções, já que pedir a semana de oração já indica o caos?! 

Em meio ao sofrimento, as Igrejas que os elegeram, precisarão ‘aprender a aprender’, suportar serem ‘provadas na fornalha da aflição’ (Is 48.10) e redescobrir o próprio chão. Lembrar do que lhes será cobrado para poder dizer ‘não’ e ‘sim’. Até que percebam e purguem seus próprios erros, depurem a própria teologia de intervenção na vida social e ajustem o equilíbrio entre seu papel na sociedade, que Luther King Jr chamou de ‘ser a consciência crítica do Estado’. Só depois poderemos debater a intolerância.

Transcrito de Novos Diálogos

* Mestre e Doutor em Teologia e Pós-Doutor (PUC-Rio), jornalista, pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB) e Pós-Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Tocantins (UFT) - Campus Araguaína

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Dia-logar: transcender a palavra: Vitória na maioridade prova que a “onda conservado...

Dia-logar: transcender a palavra: Vitória na maioridade prova que a “onda conservado...: Jean Wyllys* A tentativa demagógica e reacionária de Eduardo Cunha e sua “base aliada”— composta pelas bancadas do boi, da bíblia e da ...

Vitória na maioridade prova que a “onda conservadora” pode ser derrotada

Jean Wyllys*

A tentativa demagógica e reacionária de Eduardo Cunha e sua “base aliada”— composta pelas bancadas do boi, da bíblia e da bala, o baixo clero dos partidos fisiologistas e corruptos e a ultra-direita — de usar o medo para reduzir a maioridade penal, por incrível que pareça, foi derrotada hoje no plenário.

Cunha perdeu.

Felizmente, a sensatez venceu o fascismo e seus discursos de ódio, aumento do estado penal, criminalização da pobreza e da juventude, militarização da sociedade e políticas de guerra.



A insegurança pública é um problema profundo e complexo que requer soluções sérias e não medidas propagandísticas — cuja ineficácia e prejudicialidade já foram comprovadas em diferentes lugares do mundo — como a que estava hoje em debate, cujas consequências teriam sido catastróficas.

O lugar de crianças e adolescentes não é nos presídios, mas nas escolas, e isso foi, felizmente, compreendido por muitos deputados e deputadas. Apesar do autoritarismo de Cunha, da repressão policial que vivemos mesmo dentro do Congresso, tendo que respirar gás lacrimogêneo e intervir para parar a violência contra manifestantes, finalmente a sensatez triunfou.

Não foi fácil e não foi, apenas, uma vitória nossa, dos e das parlamentares de diferentes partidos que defendemos os direitos humanos. Sem a mobilização e pressão social, nós teríamos sido derrotados, e essa é uma lição da qual devemos aprender.

Vencemos porque dezenas de movimentos sociais, coletivos culturais, entidades representativas de estudantes, trabalhador@s, organizações de direitos humanos, artistas, jovens e milhares de pessoas se articularam, nas ruas e nas redes sociais, e fizeram uma campanha pedagógica, séria, com argumentos, dados, informação e muita honestidade intelectual, para convencer uma parcela importante da Câmara de que a redução não era solução, impedindo que Cunha alcançasse os 308 votos necessários para aprovar a PEC 171.

Quando começou esta batalha, tudo parecia anunciar que seríamos derrotados, mas a persistência, a inteligência e o esforço de muita gente nos ajudaram a mudar esse quadro. A unidade de diferentes setores da sociedade — que incluiu atores tão diversos como o parte do movimento LGBT e a igreja católica — também foi fundamental.

Essa vitória prova que a tal “onda conservadora” pode ser derrotada. Muitas vezes, o que parece ser um consenso reacionário é, na verdade, falta de debate, de apresentação de diferentes pontos de vista, argumentos e dados, e incapacidade do nosso lado para se articular e ser eficaz no enfrentamento de um fascismo que perdeu a modéstia e se aproveita do medo, da insatisfação, do senso comum, da desinformação promovida por parte da mídia e da falta de uma educação de qualidade, para impor uma agenda de retrocessos. Mas não são invencíveis. Dessa vez, tod@s nós fizemos o dever de casa e provamos que é possível derrotá-los.

Ainda falta, contudo, percorrer um longo caminho. Hoje devemos celebrar, mas amanhã temos que continuar trabalhando.

A redução da maioridade penal foi rejeitada, e agora cabe a nós avançar num debate sério sobre as autênticas soluções ao problema da insegurança pública. Precisamos colocar com força na agenda política a desmilitarização da polícia e da vida das favelas e das periferias, a legalização das drogas e o fim da política de guerra que não para de matar e encarcerar a juventude pobre e negra. Precisamos combater o racismo institucional e a criminalização da juventude e da pobreza. Precisamos cobrar um debate nacional profundo sobre a educação pública de qualidade que o Brasil precisa e hoje não tem, e isso significa também discutir prioridades orçamentárias, numa conjuntura em que a resposta do governo à crise econômica é fazer ajuste na educação para garantir o superávit primário.

Precisamos colocar em discussão uma mudança radical na concepção de cidades atualmente imperante, que divide o território em dois e deixa a metade mais pobre destituída de cidadania, de saúde, de educação, de transporte público de qualidade, de oportunidades de trabalho digno, de acesso à cultura e às artes. Precisamos mudar o modelo econômico e social que gera essa sociedade cada vez mais violenta.

A insegurança pública não vai ser reduzida magicamente, da noite para o dia, com leis penais e mais polícia. Esse tipo de “solução” é uma mentira. Não funciona em nenhum lugar do mundo. E é uma maneira desumana e egoísta de encarar o problema. A violência e a insegurança não vão ser reduzidas senão como consequência da redução da desigualdade, da ampliação da cidadania e da garantia de direitos e oportunidades de viver uma vida digna.

Redução não é solução, mas há soluções.

Há soluções que demandarão tempo, dinheiro e políticas de curto, médio e longo prazo. E se não quisermos que a demagogia punitiva e o pesadelo orwelliano se imponham no futuro, precisamos encarar o problema de fundo com soluções de fundo. Não apenas para vivermos mais segur@s, mas principalmente para vivermos numa sociedade mais justa.

*Deputado Federal (PSOL-RJ) e professor universitário

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