sábado, 20 de junho de 2015

"Laudato Si'" amplia o cuidado de igrejas e povos ...

Dia-logar: transcender a palavra: "Laudato Si'" amplia o cuidado de igrejas e povos ...: Genebra, Suíça  - O Conselho Mundial de Igrejas (CMI) acolheu a encíclica ‘Laudato Si', do Papa Francisco, lançada em 18 de junho, que ...

"Laudato Si'" amplia o cuidado de igrejas e povos com nossa casa comum, diz o CMI

Genebra, Suíça  - O Conselho Mundial de Igrejas (CMI) acolheu a encíclica ‘Laudato Si', do Papa Francisco, lançada em 18 de junho, que destaca o que as igrejas e organizações ecumênicas vêm fazendo há décadas sobre os cuidados com as questões de justiça da terra e do clima.

Papa Francisco, autor da Carta Encíclica 'Laudato Sí'

"Este é o momento de focar a nossa responsabilidade comum como seres humanos, e na forma como nós, como igrejas, devemos apoiar aqueles que estão prontos para fazer as mudanças necessárias", disse o Rev. Dr. Olav Fykse Tveit, secretário-geral do CMI.

"Esta encíclica demonstra como todas estas questões estão no centro da nossa fé cristã, e como nós cristãos, devemos tratá-las como igrejas junto a todas as pessoas que se importam com nosso futuro comum, como as questões de justiça e de paz", acrescentou.

Tveit também destacou o reconhecimento positivo para "outras Igrejas e comunidades cristãs que têm tido uma preocupação profunda e um reflexo precioso" (n.º 7), especialmente as referências ao Patriarca Bartolomeu.

O líder executivo do CMI ecoou a afirmação do Papa sobre a necessidade de diálogo entre política e economia (189-198), e a religião e a ciência (199-201), que constituem uma condição sine qua non para responder eficazmente à crise ecológica.

Referência à dívida ecológica (51-52) e à forte afirmação de que "o acesso à água potável é um direito humano essencial, fundamental e universal" (30), também destacados por Tveit.

Dr. Guillermo Kerber, executivo do programa do CMI para o Cuidado com a Criação e Justiça Climática, apoia a afirmação clara que a mudança climática é provocada  por seres humanos e tem um impacto mais forte sobre as comunidades mais pobres e vulneráveis.


"A encíclica é uma chamada importante agir com urgência como indivíduos, cidadãos e também em nível internacional, para responder eficazmente à crise climática", disse Kerber.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Dia-logar: transcender a palavra: Clérigos frente às ecléticas igrejas da zona de co...

Dia-logar: transcender a palavra: Clérigos frente às ecléticas igrejas da zona de co...: O perfil patológico das comunidades resultantes da teologia da prosperidade Os pastores / padres que surgem para atendê-las, dos quais ...

Dia-logar: transcender a palavra: Observatório no debate sobre Ensino Religioso

Dia-logar: transcender a palavra: Observatório no debate sobre Ensino Religioso: Representantes de 31 entidades religiosas ou ligadas à educação e aos estudos da religião participaram durante todo o dia desta segunda-fei...

Observatório no debate sobre Ensino Religioso

Representantes de 31 entidades religiosas ou ligadas à educação e aos estudos da religião participaram durante todo o dia desta segunda-feira (15 de junho) de audiência pública convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, para debater a forma legal do ensino religioso nas escolas brasileiras. O painel de expositores foi formado por 10 representantes de grupos religiosos significativos no país, além de 21 selecionados pelo ministro (em meio aos 227 inscritos através de convocação pública) por conta de sua “expertise” sobre a temática. Todos eles enviaram contribuições prévias por escrito e apresentaram uma síntese das suas posições na audiência, que transcorreu das 9 às 19h30 e foi transmitida ao vivo pela TV e Rádio JUSTIÇA (veja aqui e abaixo).




Entre os participantes estava Gilbraz Aragão, coordenador do Observatório das Religiões da UNICAP e membro do Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos do governo do Brasil (SDH-PR) – a quem representou. O professor Gilbraz defendeu que “… longe de se embasar no ensino de uma religião ou das religiões na escola, o Ensino Religioso em nosso Estado laico se justifica pela necessidade de formação de cidadãos críticos e responsáveis, capazes de discernir a dinâmica dos fatos religiosos que permeiam a vida pessoal e social. As diferentes crenças e expressões religiosas, bem como a ausência delas por convicções filosóficas, são aspectos da realidade que devem ser socializados e abordados como questões socioculturais, que contribuem na fundamentação das nossas ações. O Ensino Religioso deve tratar pedagogicamente das atitudes de abertura e cuidado para além de si, que existem entre e para além de todas as tradições religiosas, deve resgatar os valores humanos que as espiritualidades podem trazer para a educação dos nossos filhos…” (veja abaixo a íntegra do texto apresentado).




A audiência pública buscou subsidiar o julgamento da ADI nº 4.439, que discute os modelos de ensino religioso em escolas públicas. Ao encerrar a sessão, o ministro Barroso afirmou que a democracia contemporânea contempla três dimensões que devem ser equilibradas: a dimensão representativa, feita por meio do voto, a dimensão substantiva, na qual o Estado deve proteger direitos e a dimensão deliberativa, baseada no debate público e apresentação de razões. Com a audiência, o ministro colheu subsídios para que se obtenha “o melhor equilíbrio possível entre esses elementos, votos, direitos e razões”, no que diz respeito ao Ensino Religioso em país de liberdade religiosa e Estado laico. Ele observou que são duas linhas defendidas: a primeira sobre a possibilidade de que esse ensino seja confessional, ou seja, sobre determinada religião e ministrado por seu representante; e a posição contraposta, que foi majoritária na sessão, é a de que a aprendizagem deve ser de natureza histórica e filosófica, ministrada por estudiosos da religião concursados. Segundo o ministro, o segredo do mundo moderno e do constitucionalismo democrático é encontrar mecanismos que permitam que cada pessoa viva a sua crença e, ao vivê-la, tenha a capacidade de respeitar a crença do outro. Espera-se que no próximo semestre prossiga o julgamento do caso.




Aproveitando o ensejo e para ir sedimentando os tempos mais claros que virão, no dia 16 (terça), o professor Gilbraz, junto de Francielle Morez e Alexandre Brasil, do Comitê da Diversidade Religiosa, continuaram a tratar ainda da temática com a Coordenação Geral de Educação em Direitos Humanos da SDH-PR e delegados da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação. Aí foram realizados encaminhamentos no sentido de incluir as questões do Ensino Religioso na formulação da Base Nacional Curricular Comum para o Ensino Básico e demais diretrizes curriculares, além de se agendar um Seminário de articulação das especializações e licenciaturas em Ensino Religioso, no fito de incrementar a formação dos seus professores. Com isso, esperamos que avance a regulamentação e implementação de processos de aprendizagem trans-religiosa no país, de vez que a consciência histórica e hermenêutica das religiões é muito importante para a formação esclarecida e dialogal dos cidadãos brasileiros.


Íntegra do POSICIONAMENTO DO CNRDV-SDHPR SOBRE ENSINO RELIGIOSO

O Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (instituído pela Portaria n. 18/2014 de 20 de janeiro de 2014), preocupado com o debate sobre o Ensino Religioso nas escolas públicas, por considerar a importância da educação para o diálogo entre as tradições de fé e convicções filosóficas no Brasil e por considerar a necessidade de consciência histórica e hermenêutica das religiões para a formação esclarecida e dialogal dos cidadãos, vem manifestar perante as autoridades e a sociedade o seu posicionamento sobre a regulamentação da aprendizagem desse campo de conhecimento humano e componente curricular na formação básica das nossas crianças.

Lembramos que o Ensino Religioso já é disciplina das escolas públicas de ensino fundamental (Cf. § 1º do art. 210 da Constituição Federal) e parte integrante da formação básica do cidadão, assegurado o respeito à diversidade cultural do Brasil e vedadas quaisquer formas de proselitismo religioso. Trata-se, assim, de um componente curricular no âmbito da educação sistemática e formal, articulado com os princípios e fins da educação nacional, devendo contribuir para o pleno desenvolvimento do educando e seu preparo para a vida cidadã (Cf. Art. 2º da LDB n° 9.394/96). O Ensino Religioso integra a base comum de conhecimentos da Educação Básica, a qual é constituída por saberes e valores produzidos culturalmente, compreendidos como essenciais ao desenvolvimento das habilidades indispensáveis ao exercício da cidadania (Cf. art. 14 da Resolução CNE/CEB nº 4, de 13 de julho de 2010).

Por isso, e para que avance o processo de regulamentação cidadã do Ensino Religioso, o Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa defende que o Ministério da Educação publique diretrizes curriculares nacionais para o Ensino Religioso, a fim de orientar os sistemas de ensino na elaboração de suas propostas pedagógicas, em consonância com os pressupostos legais e curriculares em vigor; e defende igualmente que o Conselho Nacional de Educação emita diretrizes curriculares nacionais para a formação dos professores de Ensino Religioso, em curso de licenciatura, nos termos do art. 62 da LDB nº 9.394/96. Defende também que o Supremo Tribunal Federal aceite a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 4.439) proposta pela Procuradoria Geral da República, para assentar que o Ensino Religioso em escolas públicas só pode ser de natureza não-confessional.

Longe de se embasar no ensino de uma religião ou das religiões na escola, o Ensino Religioso em nosso Estado laico se justifica pela necessidade de formação de cidadãos críticos e responsáveis, capazes de discernir a dinâmica dos fatos religiosos que permeiam a vida em âmbito pessoal, nacional e mundial. As diferentes crenças e expressões religiosas, bem como a ausência delas por convicções filosóficas, são aspectos da realidade que devem ser socializados e abordados como questões socioculturais, que contribuem na fundamentação das nossas ações. O Ensino Religioso deve tratar pedagogicamente das atitudes de abertura e cuidado para além de si, que existem entre e para além de todas as tradições religiosas, deve resgatar os valores humanos que as espiritualidades podem trazer para a educação dos nossos filhos. Trata-se, então, de comparar criticamente e interpretar os fatos religiosos nos seus contextos históricos, para que as novas gerações possam decidir com mais liberdade sobre essa dimensão de transcendência na vida.

Porque religião não se ensina propriamente na escola e sim nos ritos dos grupos religiosos, mas se pode e deve refletir no ambiente escolar sobre o fenômeno humano de abertura para a transcendência, em busca de interpretações mais universais e significados mais profundos para o que é experimentado como sagrado em cada cultura. Todas as pessoas têm direito ao esclarecimento das crenças da humanidade e para isso o Ensino Religioso deve avaliar as notícias religiosas em seus contextos, estudando as religiões como questão e não como dado. O Ensino Religioso, compreendido como campo de aplicação pedagógica da área de conhecimento das Ciências da Religião, numa visão transdisciplinar, não objetiva transpor conteúdos enciclopédicos e muito menos doutrinais para um ensino catequético, mas o desenvolvimento de processos de aprendizagem participativos, de construção de conhecimentos através de projetos de pesquisa, em conexão com as pautas de estudo e engajamento dos cientistas da religião. 

Então, o Ensino Religioso deve refletir sobre as experiências humanas de transcendência, através de eixos curriculares como culturas e tradições, textos sagrados e teologias, ritos e ética das tradições espirituais. Mas, sobretudo, o educador precisa compreender e se envolver com a situação social e religiosa dos educandos a fim de construir com eles conteúdos programáticos contextuais para o Ensino Religioso. O docente precisa interagir com o contexto concreto das religiões na vida dos educandos, o que inclui vivências contraditórias e aspectos desumanizadores e opressivos, para promover uma tomada de consciência desmistificadora das religiões. As práticas religiosas podem nos libertar do egoísmo ensimesmado, mas por vezes as religiões precisam se emancipar de degenerações neuróticas e alienantes. O Ensino Religioso, assim, deve promover uma ação educativa esperançosa, em que o anúncio e a utopia desempenham um papel também reconstrutivo e transformador das religiões.

Hoje o mundo está sendo abalado por notícias de um fundamentalismo que se diz islâmico. Mas não devemos esquecer que o termo fundamentalismo surgiu entre cristãos norte-americanos, que no começo do século XX criaram um movimento político-teológico para combater os outros cristãos, liberais, que praticam uma interpretação informada da Bíblia e aceitam as causas modernas do feminismo e do socialismo. Assistimos ao crescimento de comunitarismos fundamentalistas agora em várias religiões e em todas as igrejas, também no Brasil, onde certos grupos e lideranças exercitam uma leitura pretensamente literal de textos sagrados para revestir um projeto conservador de dominação político-cultural.

Aí se opõe um “Deus” pai sério e punitivo a uma divindade amorosa de justiça e compaixão; uma igreja exclusivista, rígida e hierárquica, a movimentos ecumênicos em favor da terra eco-consciente; manifesta-se um apego teológico ao pecado original, contra uma espiritualidade da criação e sua compreensão de bênção original; prega-se a intolerância ao estrangeiro e ao “estranho” moral, contra o abraço ao feminino e aos outros gêneros; o medo da ciência, enfim, ao invés do incentivo à sapiência. São discursos que hostilizam em especial as telúricas religiões indígenas e afro-negro-brasileiras, consideradas idólatras. Contra eles devemos invocar a laicidade: o Estado brasileiro é laico e pluralista, acolhe todas as religiões sem aderir a nenhuma. Não é lícito que uma religião imponha à nação seus pontos de vista e não podemos deixar os espaços públicos republicanos ser ostensivamente ocupados e controlados por quaisquer comunitarismos ou igrejas. Uma autoridade pode ter convicções religiosas e filosóficas, mas não é por elas, mas pelas leis e pelo espírito democrático que deve governar.

Cabe ao Ensino Religioso, justamente, esclarecer esses descaminhos da vivência espiritual e aquelas tentativas de controle do domínio público por igrejas, através da desconstrução histórica dos extremismos fundamentalistas e pela conscientização do fenômeno religioso genuíno. A experiência religiosa é sempre uma busca humana frente à morte, às limitações e aos conflitos que nos rondam. É busca e projeção de transcendência que, quem alcança, interpreta como manifestação poderosa e mais-que-humana de sentido, de uma outra realidade, que se tenta comunicar por símbolos, narrativas mitológicas, rituais litúrgicos, com consequências éticas e interditos morais. Fundada no respeito a esse poder criador que nos antecede e ultrapassa, a experiência religiosa, nas suas diversas formas históricas, é uma aposta na possibilidade de vida fraterna com os outros e com o cosmos.

Esperamos firmemente, então, que o Ensino Religioso se consolide para promoção do direito a esse esclarecimento das tradições de fé e convicções humanas, em prol da liberdade religiosa e de uma sociedade profundamente democrática, protegida pelo Estado laico. Porque, enfim, a religião pode ser antídoto para a loucura de existir:  “O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara loucura... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas, bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue” (Guimarães Rosa, Grandes Sertões). 

Fonte: http://www.unicap.br/observatorio2/?p=2011

domingo, 14 de junho de 2015

STF começa o debate do Ensino Religioso Confessional no Estado que é Laico desde 1891

Dia-logar: transcender a palavra: Ensino religioso confessional é inconstitucional: Antonio Carlos Ribeiro* Rio de Janeiro - A Lei 3459/2000, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), que...

Ensino religioso confessional é inconstitucional

Antonio Carlos Ribeiro*

Rio de Janeiro - A Lei 3459/2000, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), que acrescentou a confessionalidade ao Ensino Religioso ministrado nas escolas públicas do Estado, ameaçando o Estado Laico e desconsiderando claros preceitos constitucionais e cláusulas fundamentais da legislação vigente, era plenamente inconstitucional e por isso foi rejeitada.

No entanto, no início do governo continuísta de Rosângela Matheus - que atende pelo nome de Rosinha Garotinho e perdeu recentemente o mandato de Prefeita da cidade de Campos dos Goytacazes, a 300 km do Rio de Janeiro, condenada por fraude eleitoral - foi feito um acordo pelos representantes de algumas religiões, como o judaísmo, e Igrejas cristãs, como a católica e as igrejas pentecostais, sem apoio das igrejas anglicana, luterana e presbiteriana, das históricas, portanto sem encontrar consenso entre as igrejas-membro do Conselho de Igrejas Cristãs do Estado do Rio de Janeiro (CONIC-Rio).

O objetivo desse acordo, celebrado entre religiões e igrejas com conflitos teológicos de aceitação e de interesses ecumênicos e raras atividades anuais, estritamente celebrativas e apoios a documentos, que nunca desenvolveram trabalhos conjuntos. O que resultou, se pode ser chamado de acordo, conseguiu apenas articular interesses eclesiais e religiosos, envolvendo as igrejas evangélicas de traço pentecostal, a quem o governo propôs uma espécie de trégua religiosa com o objetivo de derrubar a proposta da lei 1.840/2003, de autoria do Deputado Estadual Carlos Minc, cujo veto da governadora foi mantido no Plenário da Alerj.

O jogo era simplesmente político e a decisão era claramente inconstitucional, como foi denunciada pelo Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio), e lembrada aos deputados no momento da votação, mas solenemente ignorada em nome de interesses políticos palacianos. Houve ainda a intervenção do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (Fonaper), do qual igrejas cristãs como a católica, a luterana e anglicana participam, esclarecendo os quatro tipos de ensino religioso vigentes no país, entre os quais os das escolas confessionais, enfatizando que o Ensino Religioso das Escolas Públicas deveria ser laico, assim como é o Estado.

Foto: Pedro Ladeira - Folhapress

Por esta razão, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Vice-Procuradora Geral da República, Deborah Duprat, é perfeitamente razoável. O ensino religioso confessional e os professores que representam as religiões devem atuar nas escolas das igrejas e religiões, legítimas para esse objetivo, mas não para ensinar doutrinas religiosas nas escolas públicas. Pela mesma simples razão: depois do fim do Padroado, o Estado é laico! Entendimento que levou o imperador D. Pedro II a mandar prender quem desconsiderou a autonomia do Império.

A afirmação de que o ensino religioso confessional pode ser plural não é rigorosamente verdadeira. A prova disso é que a articulação para a aprovação da referida lei em plenário envolveu, além das benesses do Estado, a indicação de organismos das igrejas e religiões – como a Ordem dos Ministros Evangélicos do Brasil, sem condições legais para a gabaritação de professores – , a produção de material didático, os cursos de preparação para os profissionais que atuariam nas escolas e até articulações de lideranças religiosas de outros estados para apoiarem a iniciativa e levarem às suas assembleias legislativas.

Foram escritos artigos publicados pelo Boletim Rede, do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade (CAALL), em fev. e mar. 2004, citados no artigo Religião nas Escolas Públicas: questões nacionais e a situação no Rio de Janeiro, dos pesquisadores Emerson Giumbelli e Sandra de Sá Carneiro, publicado na Revista Contemporânea de Educação, v.1, n.2. - jul/dez 2006, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A Universidade de São Paulo (USP) organizou em 2006 a mesa redonda As Igrejas na luta pela Educação Pública, através da Faculdade de Educação (FE), debatendo a decisão da Assembleia Legislativa do Rio como uma proposta que atende a interesses político-eclesiais, mas sem sustentação legal.

A lei aprovada possibilita a políticos populistas práticas reprováveis, ao propiciar acordos confusos e o uso sem critérios da expressão religiosa, especialmente em ano eleitoral. A associação do nome de Deus à nação, a documentos legais e até à instituição financeira, repete recursos que o fazem retroceder às épocas do Brasil colônia e império, quando o catolicismo era a religião oficial do Estado. A separação entre Igreja e Estado foi uma conquista republicana que se materializou na Constituição de 1891.

O esforço para sacramentar negócios políticos tem levado governantes e parlamentares a buscarem apoio popular, associando decisões públicas a instituições religiosas. Essa prática conheceu sua forma clássica ao aparecer na Constituição de 1988, promulgada "sob a proteção de Deus" e nas notas de cruzado, com a expressão “Deus seja Louvado”. Na situação fluminense ela tem ameaçado a ecumenicidade, a diversidade cultural e a laicidade do Estado.

Houve resistência do Movimento Inter-Religioso (MIR), ligado ao Viva Rio, surgiram editoriais no jornal O Globo e foram marcados encontros entre autoridades religiosas locais com os representantes do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (Fonaper), apoiando o Ensino Religioso nos moldes da lei 9.394/96, mas apesar da denúncia dos interesses e da fragilidade do acordo de igrejas e religiões que sequer são parceiras, nada adiantou.

Surdo às denúncias capitaneadas pelo Sindicato dos Professores, o Governo Estadual, que misturava interesses eleitoreiros e religiosos, abriu um concurso público divulgando a existência de 500 vagas, mas o debate político contou com a ambição política da governante, alavancando setores do mundo evangélico, que vislumbraram o momento de se tornarem protagonistas, com sua presença crescente nos órgãos públicos, sem a percepção de que logo seriam engolidos.

Na verdade, não houve um pacto, nem mesmo no campo ecumênico, já que os sujeitos institucionais envolvidos sequer relações ecumênicas têm. Apenas um acordo de situação baseado na perenidade de uma instituição, no afã de sobrevivência política de um governo de certa popularidade, algumas ilegalidades que depois vieram à tona e baixos índices de aprovação em quase todas as áreas e que, de certo, tinham apenas o oportunismo das lideranças para lidar com sentimentos religiosos, com vistas à obtenção de resultados imediatos.

Setores das Igrejas se manifestaram em vão. Crítico do modelo do ensino religioso adotado, o frade franciscano Ludovico Garmus, da Ordem dos Frades Menores (OFM), de Petrópolis, entendeu que separar os alunos por religião é muito perigoso. "A formação religiosa não deve ser feita nas escolas", já que as "escolas devem formar no aluno uma visão geral da religião".

Percebendo outra situação prevista na lei, o jornalista Ricardo Setti, classificou a determinação de punir com o afastamento ou demissão o professor de religião que "perder a fé e tornar-se agnóstico ou ateu" de grotesca, levantando a suspeita jurídico-teológica: "como é que o governo vai provar que o sujeito perdeu a fé?" E se o fizesse, por uma lei de fundamentos jurídicos frágeis, como o Estado laico poderia demitir alguém por razões de fé?

A simples entrada em vigor da legislação, observou o Sindicato dos Professores, não garante a liberdade de culto, já que "Escola não é local de culto e liturgia. Isso é na igreja, na sinagoga, no templo de umbanda. É ali que a Constituição garante a liberdade religiosa sob o ponto de vista confessional". As críticas foram dirigidas também ao poder público estadual, já que no plano federal deve-se obediência à Constituição que proíbe à União, aos estados e municípios "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança" (art. 19).

A lei aprovada e em vigor não tem como assegurar a liberdade, nem o fim da violência e nem a crise ascendente de valores em nossa sociedade, o argumento a que se agarraram desesperadas as partes interessadas em sua aprovação. Nem mesmo facilita o diálogo religioso e a caminhada ecumênica das Igrejas. Pior: diante da dificuldade prática do ensino das diversas confissões religiosas em todas as escolas, como deveria ser garantido, poderá afastar os que antes tinham a formação de valores fundamentais, da busca do transcendente e do sentido da existência humana.

Houve um caso único e exemplar. Uma professora de religião obteve o primeiro lugar no concurso público realizado. Era uma mulher negra, da cidade de Campos dos Goytacazes e que professava a umbanda, uma religião de origem afro-brasileira. A fragilidade institucional do concurso somada ao preconceito em círculos religiosos tradicionais fez aflorar preconceitos aos borbotões: por ser mulher, negra, do interior e umbandista. Para que assumisse os direitos que lhe eram negados, sobretudo pelo acinte de ter sido aprovada em primeiro lugar, foi acionada uma instituição criada pela ex-deputado Átila Nunes, que assegurou a documentação para que o aparelho estatal evitasse outro equívoco!

Por estas entre outras razões, se espera agora que as Igrejas cristãs, em nível nacional, superem temores, conveniências e inseguranças, e se empenhem no apoio a esta Adin, já que está correto o juízo da viceprocuradora de que o Estado brasileiro é laico, que as aulas deveriam expor doutrinas, práticas, história e dimensões sociais das diferentes religiões – e até do ateísmo – , e que a autonomia dos Estados para definir seus currículos não pode atropelar preceitos constitucionais.

O risco do ensino religioso público, pago com erário do Estado Laico, é que a tomada de seu controle por entidades religiosas faça diminuir o interesse dos jovens, por ser facultativo. Os outros 25 estados, que não foram vítimas dessa situação, esperam que a justeza jurídica seja restabelecida.

Para acrescentar mais um aspecto - estritamente legal - à discussão, divulgo meu artigo Sem Ônus para os Cofres Públicos; O Estado sem Autoridade para Garantir a Laicidade no ER, Numen: revista de estudos e pesquisa da religião, v. 17, p. 69-87, 2014 (ISSN: 22366296)
http://numen.ufjf.emnuvens.com.br/numen/article/view/2829

* Doutor em Teologia, Pós-Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e Pós-Doutorando em Letras pela Universidade Federal do Tocantins (UFT/CAPES/PPGL)

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Clérigos frente às ecléticas igrejas da zona de conforto

O perfil patológico das comunidades resultantes da teologia da prosperidade

Os pastores / padres que surgem para atendê-las, dos quais muitos perdem a fé, outros a saúde

Os que subsistem saem da condição de 'pecadores arrependidos' para a de 'santos blasfemadores'


quarta-feira, 10 de junho de 2015

‘Ensino religioso aumenta intolerância nas escolas...'

Dia-logar: transcender a palavra: ‘Ensino religioso aumenta intolerância nas escolas...: Encantada com o aprendizado e as crianças nos terreiros, a autora de

‘Ensino religioso aumenta intolerância nas escolas públicas’, afirma pesquisadora

Encantada com o aprendizado e as crianças nos terreiros, a autora de 'Educação nos
terreiros – e como a escola se relaciona com as crianças do candomblé', publicado
pela Pallas em 2012, Stela Guedes Caputo, pesquisou a fundo a relação da religião
afro-brasileira com a educação pública no Rio de Janeiro

Defensora da extinção do ensino religioso obrigatório, ela evidencia em suas pesquisas como essas crianças sofrem com a discriminação nos colégios. Segundo ela, o cenário tende a piorar, com o conservadorismo se enraizando cada vez mais no conteúdo das disciplinas e a pauta do Vaticano sendo incorporada.

Na entrevista ela revela como são estabelecidos os critérios da formação dos professores, os conteúdos dos materiais didáticos, as verbas destinadas para esse objetivo e suas perspectivas, além de denunciar como o modelo idealizado pelo governo está desconectado à prática nas salas de aula. Propõe, ainda, uma PEC para retirar a obrigatoriedade do ensino religioso da Constituição.

Você pode falar um pouco sobre o que originou a pesquisa do seu livro?

Eu era jornalista, trabalhava no jornal 'O Dia', e em 1992 recebi uma pauta do editor para fazer um mapeamento dos terreiros na Baixada Fluminense. Quando cheguei ao terreiro de Mãe Palmira, o Ile Omo Oya Legi, em Mesquita, vi o Ricardo Neri, um menino ogan, tocando atabaque. O real sempre surpreende e dá uma pauta melhor, não sabia que as crianças podiam ocupar cargo na hierarquia do culto. Publicamos uma matéria bem interessante sobre como as crianças aprendem no terreiro, inclusive o yoruba, e respeitam a hierarquia e a ancestralidade.

Mas com os limites de uma página de jornal, e também porque nos jornais hoje temos uma pauta e amanhã outra. Continuei estudando como as crianças aprendem no terreiro e fui fazer mestrado e doutorado na PUC e pós doutorado na UERJ, tudo em educação. Voltei ao terreiro, onde permaneci por 20 anos, e também escolhi o terreiro da mãe Beata, em Miguel Couto, e o de Égun, que é outro tipo de culto no candomblé, em Belford Roxo.

Só que as crianças começaram a dizer que havia problemas na escola. Em 1992 eu já havia escutado do Ricardo, então com 4 anos, que uma professora o chamou de filho do diabo. Achei estranho, e quando voltei em 1996 novas crianças diziam o mesmo. Já tinha havido também uma repercussão negativa, porque o Bispo Macedo comprou as fotos que a gente fez na Agência O Dia e publicou o livro 'Orixás, caboclos e guias – deuses ou demônios'?

Ele colocava de forma pejorativa as crianças. Então estabeleci dois caminhos na pesquisa: saber como as crianças aprendem, que é uma coisa inesgotável, e como são discriminadas na escola. Fiquei na escola e no terreiro, entrevistei professores de Ensino Religioso (ER) e de outras disciplinas para verificar qual era a relação. Resultou na minha tese de doutorado concluída em 2005, e esperei mais 7 anos para publicar o livro. Entendi melhor o candomblé e vi que essas crianças não mudaram de opinião. Elas tiveram filhos e constatei que na nova geração, infelizmente, é pior. As crianças estabeleciam táticas, diziam que eram católicas na escola para não sofrer. Elas têm orgulho da fé, religião, hierarquia, comunidade de terreiro, se sentem muito bem, mas do portão para dentro. Isso é o cruel de uma prática que eu chamo de discriminação religiosa e racial, porque a maioria é negra.

Você pode descrever melhor essa associação entre religião e raça?

O que aqui conhecemos por candomblé chega com os negros escravizados. Segundo Ellis Cashmore, antes do fim do tráfico de escravos, em meados do século XIX, cerca de 12 a 15 milhões de africanos foram transportados para América do Norte, Central e Sul. Edgar Robert Conrad estima que mais de 5 milhões foram trazidos ao Brasil entre 1525 e 1851. A classe dominante brasileira queria "apenas" o corpo escravizado para erguer este país sob seus interesses, mas não sabia o que vinha dentro desse corpo. A África não é homogênea econômica, política ou culturalmente, tampouco na religião.

Então o que nos marca são esses grupos que vão fazer nascer no Brasil o Xangô de Pernambuco, o tambor de Mina do Maranhão, o batuque no Rio Grande do Sul, o candomblé Angola, Jeje ou Ketu, na Bahia, sudeste e outras regiões do Brasil. Dentro do corpo vieram, portanto, os inkices, voduns e Orixás. Esse sagrado, nenhuma chibata arrancou e nem a morte é capaz de arrancar.

Sabemos que a raça não é senão um conceito político que só pode desaparecer enquanto categoria de análise social quando o racismo também desaparecer. O racismo é um sistema completo, integral. Quando você odeia alguém por sua raça você o odeia inteiramente, inclusive seu modo de crer e significar o mundo. E não podemos mais dizer que o candomblé é uma religião simbolicamente só de negros, embora majoritariamente seja. Na análise dos insultos raciais estudados por Antônio Sérgio Guimarães ele localizou insultos comuns como "negro macumbeiro". A maioria das crianças de minha pesquisa ao longo desses mais de 20 anos é negra, e todas relatam já terem sofrido esse mesmo tipo de insulto.

Qual o cenário aqui no Rio de candomblecistas, e quais as leis vigentes em relação ao ensino religioso na rede pública?

O último Censo do IBGE, em 2010, aponta que há 50.967 candomblecistas no Rio, enquanto na umbanda chega a 89.626. Os neopentecostais têm crescido muito, inclusive convertendo muitos membros de terreiro aqui e em África. Mas qualquer número sobre essas religiões nunca será preciso: historicamente perseguidos, não são religiões de conversão, e são de awô (segredo). É certo, no entanto, que o número de candomblecistas tem caído. Por outro lado muitas campanhas pelas ações afirmativas, incluindo a maior visibilidade de candomblecistas, também crescem e acho que poderemos ter um novo desenho numérico de aproximação.

Em relação às leis, na Constituição de 1988 a obrigatoriedade do ensino religioso permanece. Cria uma esquizofrenia, porque ela continua dizendo que o Estado é laico e, portanto, não temos uma religião oficial. Os estados têm autonomia, então no Rio de Janeiro, em 2000, o governador Garotinho sanciona a lei do deputado católico Carlos Dias e estabelece o ensino confessional.

Em 2004, Rosinha faz o concurso e contrata 500 professores de ER que se somam aos 364 professores na rede estadual que, desviados de suas disciplinas, já lecionavam religião. Isso se torna mais grave quando o Sindicato dos Profissionais de Educação do Rio informa que a demanda de professores é da ordem de 12 mil professores.

Ser confessional significa que cada professor confessa sua fé, e fará concurso para ela. Assim temos 68,2% católicos, 26,31% evangélicos, 5,26% de outras religiões. A Coordenação de Ensino Religioso (CER), da Secretaria Estadual de Educação, diz que em 2003 realizou pesquisa e constatou esse percentual nas religiões dos alunos.

É uma pesquisa furada porque não leva em conta que historicamente candomblecistas não revelam sua fé por conta da perseguição religiosa, pois não é de conversão e se trata de uma religião de awô (segredos), o que faz o silêncio uma de suas práticas. Mas silêncio não deve ser confundido com silenciamento. O ER é uma violência contra religiões não hegemônicas, contra os ateus e, sobretudo, contra alunos e alunas do candomblé e umbanda, os mais perseguidos.

Como isso acontece na prática?

A nossa escolarização pública é marcada pelos objetivos de catequese desde que os jesuítas chegaram em 1549. No ano seguinte constroem uma capela e um colégio, achavam que deviam estar em todos os espaços não só para fazer novos católicos, mas, principalmente, combater os não católicos. Com a reforma pombalina e a expulsão dos jesuítas em 1759 temos uma primeira tentativa de separar religião da educação, que só será realizada oficialmente com a República na Constituição de 1891. Mas de lá para cá esses setores conservadores da igreja católica impuseram derrotas aos setores laicos.

Na Constituição de 34 a religião passa a ser matéria com oferta obrigatória no currículo, na de 37 há um pequeno recuo e passa a ser uma possibilidade, no texto de 46 volta a ser obrigatória mas facultativa e, em 67, já na Ditadura, permanece obrigatória, mas sem ônus para os cofres públicos.

Hoje é ainda pior, já que só no Rio, tanto no Estado como no município, os gastos com ER são de cerca de R$ 16 milhões anuais. Não satisfeita, a Igreja católica pressiona para a assinatura da Concordata Brasil-Vaticano em novembro de 2008, quando Lula assina o acordo com Bento XVI. O artigo 11 da atual constituição é um absurdo, porque além de destruir qualquer vestígio de laicidade assegura o privilégio da igreja católica e a coloca como referência.

Se perguntar para a Coordenação de Ensino Religioso (dirigida por católicos desde sempre) ela vai dizer que esta disciplina não é proselitista, ou seja, não é para converter, é apenas para "passar valores". Muita gente se engana com isso (ou é cínica mesmo). Tão logo a Concordata foi assinada, o jornal virtual da comunidade "Canção Nova", ligada ao movimento dos católicos carismáticos, detalhou no seu artigo 11 que a educação religiosa por natureza é sempre confessional. Os iludidos (ou cínicos) precisam estar nas escolas públicas para ver o que acontece: alunos ungidos com óleo bento por serem de outra religião, humilhados por serem ateus, exorcizados por serem candomblecistas ou homossexuais.

Como a disciplina é organizada e como os professores preparam seu conteúdo?

Nas escolas do estado a proposta é que no futuro os estudantes sejam separados por turmas e assistam a aula de seu credo. Já exclui o argumento de que o ER ajude a diminuir a intolerância e amplie os conhecimentos de todas as religiões. Na prática, todos os credos estão em uma única aula desses tais "valores". Desde 2004 eu entrevistava os professores sobre que material usavam, e a maioria respondia que selecionava da bíblia o que fosse comum para católicos e evangélicos. Como isso é possível? A bíblia é um valor para quem?

Além disso, há muito texto do Padre Zezinho, Marcelo Rossi e materiais da Campanha da Fraternidade. Em 2007, a Cúria Diocesana do Rio lança a coleção didática de livros católicos. São 4 volumes de muito retrocesso não apenas porque ofende o candomblé, mas porque traz uma visão conservadora de família e mulher, e é racista porque mantém negros em papéis subalternos.

Trabalhamos há anos para que se avance na direção de uma educação multicultural crítica, antirracista e libertária e vem a Igreja com sua pauta obscurantista em rico papel couché, ilustrada pelo Ziraldo, na contra mão reacionária. E por que digo que ofende o candomblé? Porque na página 56 de um dos volumes, chamado "A Igreja de Cristo", lemos: "A Umbanda não faz uso de sacrifícios de animais em seus rituais, porque respeita a vida e a natureza".

Além de um equívoco de informação porque dependendo da linha muitas casas de umbanda fazem a oferenda de animais, trata-se de uma agressão explícita ao candomblé para quem o ritual da oferenda é estruturante. Há uns 10 anos venho discutindo, conversando, fazendo palestras sobre isso e, ao conversar com grupos de professores do município estes diziam que não era problema deles pois nas suas escolas não havia a disciplina. Eu já alertava, e em 2011 o prefeito Eduardo Paes cria por decreto a disciplina. Fez concurso e existem cerca de 400 professores de ER no município que, a exemplo do estado, também é confessional.

E como acontece a formação desses professores?

Para o concurso se exige licenciatura e credenciamento pela autoridade religiosa, o que ofende ainda mais a laicidade. Ela fiscaliza se o professor vai abandonar ou não a religião, e pode descredenciá-lo caso mude. Desde 1996 acontecem os Fóruns de Professores de Ensino Religioso do Rio, ou seja, desde antes da aprovação do confessional e do concurso. São encontros anuais que a Secretaria de Educação organiza e realiza só com esta área para fortalecer e padronizar o que chamo de missionarismo nas escolas públicas.

No material distribuído no Fórum de 2010, por exemplo, constava: "apresentar a Campanha da Fraternidade 2011, numa postura de parceria com a Igreja católica". Outra atividade agendava a celebração do "Dia de Ação de Graças nas escolas públicas".

Veja a definição do dicionário Houaiss para o termo laico: "Laico é aquele que não pertence ao clero nem a uma ordem religiosa. Aquele que é hostil à influência da Igreja e do clero sobre a vida intelectual e moral e sobre as instituições e os serviços públicos". Por mais que tentem distorcer ou achar outro significado que sirva aos interesses obscurantistas, organizar a Campanha da Fraternidade, dentre outros, não cabe em absolutamente nenhuma flexibilização que se faça desse conceito.

Os alunos frequentam as aulas de Ensino Religioso?

A Constituição diz que a oferta da disciplina é obrigatória e a frequência facultativa, mas a frequência é praticamente de 100% por vários motivos. Muitas escolas sequer avisam que os alunos podem não frequentar essas aulas, e embora a Lei de Diretrizes e Bases diga que a escola deva oferecer uma atividade alternativa para os que não desejarem assistir às aulas de ER, isso nunca acontece. Muitos pais também desejam o ER na esperança de resolver problemas de indisciplina ou agressividade dos filhos e filhas, o que também é desejado por professores que já lidam cotidianamente com esse problema na escola. Eu não quero ser pessimista, mas acho que tudo ainda pode piorar.

No Fórum de 2010 entrevistei 20 dos 100 professores que compareceram, e todos afirmaram que desejam que a frequência dos alunos seja obrigatória. Desejam que sua disciplina seja plena como as demais, e isso também vale para avaliação. ER confere uma nota, mas não reprova. Todos também disseram desejar que o ER reprove. Todo mundo sabe que a avaliação é participação, presença e uma prova ou trabalho final. Como um aluno de candomblé vai participar de uma aula que fala de catolicismo? Ele não se reconhece, recebe um livro didático dizendo que ele não respeita a vida e a natureza, apesar de o candomblé ser uma religião altamente ecológica. E também tendemos a avaliar mais positivamente quanto mais o avaliado se parecer conosco.

Em qualquer área da educação há que se ter muito cuidado com isso para não se cometer injustiças nem discriminações. Como fazer uma avaliação de ER se a perspectiva desse professor é a conversão? Se não revertermos o processo que avança, um dia o ER vai conferir uma nota que reprove.

Quais as propostas dos diferentes setores que discutem a questão?

Não há unanimidade. Há quem ache que é possível um ER plural, já alguns católicos reconhecem a impossibilidade de qualquer ensino religioso que não seja confessional. Há os que defendem um ER que fale da história das religiões. Ora, quem pode fazer isso? Quantas infinitas formas de significar o mundo subjetivamente existem? Penso que a filosofia sim deveria discutir as diferentes expressões de pensamento, tanto idealistas como materialistas, e incentivar a crítica intelectual dos estudantes que devem submeter tudo ao seu próprio pensamento duvidoso e interrogador do mundo. Há quem defenda que as religiões como candomblé e umbanda devem disputar hegemonia. Imagina se isso seria possível? Candomblé se aprende em terreiro e não na escola, assim como catolicismo se aprende na Igreja e protestantismo nas diferentes assembleias.

As religiões devam ser impedidas de circular nas escolas? Não, porque não somos um Estado ateu. Somos um Estado laico e somente a garantia total da laicidade pode garantir que as diferentes expressões religiosas circulem com seus símbolos e tensões nas escolas. Lidar com essas diferenças e tensões é mais um entre os tantos desafios dos professores e professoras. Há quem acredite que o ER possa ser um espaço para se ensinar Direitos Humanos. Penso que a função principal de qualquer disciplina é essa. Pensar que a disciplina de ER é o espaço dos Direitos Humanos é esvaziar as disciplinas de sua principal função. Então não há disfarce. Defendo uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que retire da Constituição a obrigatoriedade do ER das escolas públicas.

E isso resolveria essa intolerância religiosa nas escolas?

Não resolveria. O ER contribui muito para o obscurantismo, legitima o racismo e a discriminação religiosa. É claro que existem exceções, professores que realizam uma aula plural. Mas é com a regra que humilha diariamente principalmente as crianças de candomblé que estou preocupada. É com a confusão que se faz entre a fé privada e individual, com o espaço de educação pública e coletiva, que estou preocupada. O professor de química, ou qualquer outro, se for obscurantista vai discriminar. O de biologia, por exemplo, vai ensinar o criacionismo e mandar queimar Darwin. O de literatura se recusa a usar mitos e contos africanos, o que acaba gerando ainda mais problemas para a implementação da Lei 10639.

Então eu acho que é defender a PEC, retirar o ER das escolas públicas e trabalhar muito na sociedade como um todo e na formação de professores, em particular, para a construção de uma educação pública de qualidade, multicultural crítica e laica. Ou seja, uma educação para os Direitos Humanos.

Por mais que se tenha questionado como um pastor reacionário, racista e homofóbico como o Feliciano tenha chegado à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e permaneça nela, não se questionou o papel da educação nesse processo. Feliciano só chegou onde está e não caiu porque existe uma educação pública conservadora com a pauta homofóbica, racista e obscurantista do Vaticano nas salas de aulas, nos corredores, nos livros, nos pátios de nossas escolas. E, infelizmente, muitos Felicianos estão por vir. O maior desafio atual da educação pública é impedir isso.

Fonte: Jornal GGN

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