quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Mais evangélicos chegam à Câmara dos Deputados

Antonio Carlos Ribeiro*

A presença dos evangélicos no mundo político-partidário brasileiro tem se tornado frequente e visível. Com a expressiva votação, fortemente direcionada para o Poder Legislativo estadual e federal, como neste pleito. A consistência e abrangência dessa presença só mostra disparidades no quesito ‘distribuição entre as denominações’, com nítido destaque para as pentecostais e neopentecostais. Da que tem maior número de templos, pastores e membros até as que têm sua presença concentrada nas mídias radiofônica e televisiva.



Nesta eleição, recente e já consumada, salta aos olhos o poder adquirido pela Assembleia de Deus, com 13 deputados federais, seguida de longe pela Igreja Universal do Reino de Deus com seis – somados ao segundo maior conglomerado de mídia televisiva – a Igreja Batista com quatro, as Presbiteriana, Evangelho Quadrangular e Mundial do Poder de Deus com três, e as demais, com apenas um parlamentar, integrantes de uma rede que partilha visão de mundo – com acentos e atenuantes – a relação com um poder midiático crescente, mantida com o grupo religioso e para dentro da sociedade, hoje já sob menor pressão do que a vivida por Benedita da Silva, quando iniciou a carreira como vereadora na cidade do Rio de Janeiro.

Essas características as distinguem, do ponto de vista da crônica urbana – como o homem de terno escuro com a bíblia debaixo do braço e a mulher de cabelos e vestidos longos, como observou o antropólogo Rubem Cesar Fernandes, já nos anos 80 –, da social, ainda sofrendo discriminação enquanto crescia sorrateiramente, assim como os maometanos na Europa,  e da econômica, com templos monumentais em bairros centrais e de alto poder de consumo, superando a estética litúrgica dos shoppings, atuais templos do consumo, às quais se soma a ascensão social e o poder decisório, essenciais à visão mística, que substitui a moralidade na vida privada (o religioso) e na pública (o voto em plenário), cuja junção eleva o ato acima do juízo da sociedade. E dos cidadãos.

A ascensão mesma deste grupo, direta ou indiretamente resulta da ascensão de 37 milhões de pessoas da miséria para a classe média baixa e desta para a classe média alta, aparentemente sem terem tido tempo de elaborarem as mudanças. Um aprendizado que partidos populares como o PT ainda devem a esse grupo humano é o de entender que eles mesmos resultam desse esforço, efetivado a partir de 2006. Isso vai propiciar que siga sendo um partido sensível ao sofrimento dos pobres, com clara aproximação da classe média que resultou desta mudança.

Os dados divulgados pelo levantamento preliminar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) indicam que o conjunto da bancada parlamentar eleita para a Câmara dos Deputados, no dia 5 de outubro, é o mais conservador desde o golpe militar de 1964 – com ruralistas e militares – os mesmos que instauraram duas décadas de ditadura no Brasil e estimularam as ocorridas nos países do cone sul, que vieram em seguida. 43 lideranças políticas desta bancada são evangélicas.

Esse fato determina que a ‘nova’ bancada evangélica - só chamada assim pelo critério cronológico – será maior do que a do último pleito. O fenômeno mais intrigante é o da ‘reeleição com votação em dobro’, de personalidades com articulações e práticas próximas das que a sociedade quis afastar da vida pública, após vencer a luta para aprovar a ‘lei da ficha limpa’. Nesse caso, sua ‘legitimação’ não vem da votação, mas de sua origem numa comunidade religiosa, que busca empoderamento, visibilidade e ascensão social, nunca antes possíveis. Moral: a legitimidade é ilegítima!

A safra dos 32 deputados reeleitos e dos 11 novos é composta de bispos, pastores e cantores gospel, além de deputados - homens e mulheres - que têm suas bases eleitorais no segmento ‘evangélico’. A primeira suspeita recai sobre os depositários de vocações ‘religiosas’, de cantores a bispos, ou da junção delas, como é o caso de Marcos Feliciano, poucas vezes oriundas dos leigos. Outra, com subsídios, é serem baseadas no ‘voto de cajado’, entenda-se o ‘poder pastoral’, consagrando-se com resultados entre 40 e 400 mil votos. A terceira é que os pobres estendem às eleições a ‘troca de bens simbólicos’, de Bourdieu. Mas com números menores, já que Garotinho obteve 693.600 votos em 2010 no Rio. E a última, no pior cenário, sofrendo influência religiosa e sem consciência política e de classe (lumpenoperariat), de Marx, de novo curvadas à burguesia. Estes retalhos, Marina Silva tentou costurar, sem sucesso.

Outros elementos vêm dos partidos com vocação para essa fatia do eleitorado (comprometido, fiel e dedicado), que se entrega em nome de uma escatologia (coisas últimas) – o amarramento de suas convicções e expectativas de mudança numa personalidade – sem se dar conta do clientelismo, que ao fim cobra caro pelas supostas ‘vantagens’ e ainda lhe captura a alma, como no Fausto, de Goethe. Quando isso é cimentado por uma fé religiosa comunitária, tem maior durabilidade. Mas o pior, é que o sentimento de culpa atormenta apenas a quem, sem a esperteza jagunça do Riobaldo, personagem do conto Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa, ‘vendeu a alma’. Sem ter guardado o recibo.

Veja a lista preliminar do Diap:

Parlamentar
Partido
UF
Votação
Situação
Evangélica
Silas Câmara
PSD
AM
166.194
Reeleito
Assembleia de Deus
Irmão Lazaro
PSC
BA
161.438
Novo
Batista
Márcio Marinho
PRB
BA
117.470
Reeleito
IURD
Sérgio Brito
PSD
BA
83.658
Reeleito
Batista
Erivelton Santana
PSC
BA
74.836
Reeleito
Assembleia de Deus
Ronaldo Martins
PRB
CE
117.930
Novo
IURD
Ronaldo Fonseca
Pros
DF
84.583
Reeleito
Assembleia de Deus
Sérgio Vidigal
PDT
ES
161.744
Novo
Batista
Manato
SD
ES
67.631
Reeleito
Cristã Maranata
João Campos
PSDB
GO
107.344
Reeleito
Assembleia de Deus
Lincoln Portela
PR
MG
98.834
Reeleito
Batista Nacional
Leonardo Quintão
PMDB
MG
118.470
Reeleito
Presbiteriana
George Hilton
PRB
MG
146.792
Reeleito
IURD
Josué Bengtson
PTB
PA
122.995
Reeleito
Evangelho Quadrangular
Pastor Eurico
PSB
PE
233.762
Reeleito
Assembleia de Deus
Anderson Ferreira
PR
PE
150.565
Reeleito
Assembleia de Deus
Rejane Dias
PT
PI
134.157
Nova
Batista
Christiane Yared
PTN
PR
200.144
Nova
Catedral do Reino de Deus
Takayama
PSC
PR
162.952
Reeleito
Assembleia de Deus
Edmar Arruda
PSC
PR
85.155
Reeleito
Mundial do Poder de Deus
Eduardo Cunha
PMDB
RJ
232.708
Reeleito
Sara Nossa Terra
Sóstenes Cavalcante
PSD
RJ
104.697
Novo
Ministério Vitória em Cristo (AD)
Washington Reis
PMDB
RJ
103.190
Reeleito
Nova Vida
Arolde de Oliveira
PSD
RJ
55.380
Reeleito
Batista
Francisco Floriano
PR
RJ
47.157
Reeleito
Mundial do Poder de Deus
Marcos Soares
PR
RJ
44.440
Novo
Evangelho Quadrangular
Antônio Jácome
PMN
RN
71.555
Novo
Assembleia de Deus
Nilton Capixaba
PTB
RO
42.353
Reeleito
Assembleia de Deus
Marcos Rogério
PDT
RO
60.780
Reeleito
Assembleia de Deus
Jhonatan de Jesus
PRB
RR
20.677
Reeleito
IURD
Onyx Lorenzoni
DEM
RS
148.302
Reeleito
Luterana
Ronaldo Nogueira
PTB
RS
77.017
Novo
Assembleia de Deus
Pastor Jony
PRB
SE
53.455
Novo
IURD
Laércio Oliveira
SD
SE
84.198
Reeleito
Presbiteriana
Pastor Marco Feliciano
PSC
SP
398.087
Reeleito
Catedral do Avivamento (AD)
Jorge Tadeu Mudalen
DEM
SP
178.771
Reeleito
Internacional da Graça
Jefferson Campos
PSD
SP
161.790
Reeleito
Evangelho Quadrangular
Missionário José Olimpio
PP
SP
154.597
Reeleito
Mundial do Poder de Deus
Antônio Bulhões
PRB
SP
137.939
Reeleito
IURD
Pastor Gilberto Nascimento
PSC
SP
120.044
Novo
Assembleia de Deus
Edinho Araújo
PMDB
SP
112.780
Reeleito
Presbiteriana
Paulo Freire
PR
SP
111.300
Reeleito
Assembleia de Deus
Roberto de Lucena
PV
SP
67.191
Reeleito
O Brasil para Cristo
 Fonte: Congresso em Foco


* Jornalista, teólogo e professor (Doutor em Teologia, Pós-Doutor em Letras (PUC-Rio) e Pós-Doutorando em Letras (UFT-Capes)

Um comentário:

Pr. Edson disse...

Prezado Professor Antônio,
Estive mês setembro de 15 a 19, numa conferência sobre as religiões e sua imbricada relação para uma melhor perspectiva acadêmica: Promovido pela (LHER-IH/UFRJ) cujo tema foi "História, Experiências Religiosas e Democracia". Saliento que em sua maioria os relatos convergiram para o bom relacionamento existente entre as religiões atuantes no país e as ditas "minorias" de matrizes africanas. Resumindo apontava-se o crescimento vertiginoso dos movimentos evangélicos; deixando claro que mesmo por trás de um tema tão sugestivo. O objetivo na verdade seria apontar, discutir e isolar com medidas, pontuais, se possível no campo intelectual. Pois, no campo político já obtiveram algumas vitórias.
Confesso, ao professor que cheguei a reclamar com o professor André. Visto que em um dos dias o massacre foi tão grande que tive medo ao sair do evento!!!
Um dos preletores compararam os evangélicos a bandidos que ficam armados nos Morros e Favelas do Rio de Janeiro; O termo foi "bandidos evangélicos" sem tirar nem por; este era o termo utilizado, à bem da verdade, dias antes das eleições.
Ao atentar para a visão do amado professor ora sempre bem detalhada pontual e concisa; percebo que no meio acadêmico estão tendo, êxito. Corrija-me se estiver errado, estamos presos a séculos pelos posicionamentos determinados pela igreja católicos na política e sociedade brasileira. As quais em sua maioria tiveram suas igrejas construídas com ativos públicos. Enquanto que as igrejas ditas evangélicas em sua maioria são construídas com ativos da própria igreja; como o professor o sabe.
Reconheço e também preocupa-me a ascensão das igrejas neopentecostais, mas a termos de colocar-nos em pé de igualdade a bandidos seria o cumulo e um profundo desrespeito das outras “ditas” religião, a coisa é tão grave (isso em minha visão) que um representante do governo em sua preleção afirmou que eles são os fundadores legítimos das comunidades de base na sociedade enquanto que a igreja?!... Continua a dar ópio ao povo (ilusão de céu). Podemos, até fazer o que ele disse, mas como o professor bem ressaltou a aproximação destes com as classes dominantes fez com que aderissem em sua forma de governar a antiga termologia romana “pão e circo”.
O medo não esta no crescimento evangélico, mas, sim, num real e profundo crescimento das classes dominadas. Pois, onde existe o crescimento de nossos filhos surge dentro de nossos lares à dita liberalidade que tem como profunda raiz a DEMOCRACIA.

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