sábado, 19 de maio de 2012

E a Presidenta chorou!

Antonio Carlos Ribeiro

A presidenta Dilma Rousseff chorou durante o discurso no ato de instalação da Comissão da Verdade, nesta quarta-feira, dia 16. O gesto, talvez o mais suave na quebra de protocolo de solenidades, é bem mais que a simples identificação da maior mandatária da nação com as famílias dos que foram presos arbitrariamente, humilhados, violentados, torturados e mortos na ditadura. Já que esta dor também é a sua.


Esse momento é também a última pá de cal sobre o regime que emporcalhou a história brasileira, encheu de vergonha todos os que nasceram neste solo – a começar pelos indígenas, com a denúncia dos cerca de 2.000 índios Waimiri Atroari, cercados pelo Exército e trucidados no solo pelas bombas da Força Aérea, que teria levado Santos Dumont ao suicídio, de vergonha, ao ver seu invento ser usado contra os brasileiros mais originários – contemplados naquela lágrima.

Lágrima é sódio e água, quimicamente. E apenas uma foi derramada. Por uma mulher, a primeira a nos presidir. Que num gesto instala a Comissão para resgatar os dados da vergonha diante da nação. Esta é outra humilhação, a de agora pedir, em nome das tropas que comanda, o perdão pelas atrocidades cometidas. E por isso o auditório a aplaudiu de pé.

A Comissão da Verdade investiga as violações dos direitos humanos na ditadura, ainda que o período tenha sido aumentado, por muitas manobras, para que a insanidade do período 1964-1985 não tornasse opaca a vitória na luta contra o nazismo, obrigando jovens oficiais à vergonha dos crimes que não cometeram.

Fato de expressão simbólica é o de estar ladeada pelos ex-presidentes pós-ditadura, por razões políticas, sem a ameaça do constrangimento da presença dos ditadores afastada pela morte. Faltaram os presidentes Tancredo Neves, o primeiro civil, e Itamar Franco, que fez o país voltar a crescer depois dos 21 anos do arbítrio - já falecidos - mas estavam Sarney, Collor, FHC e Lula.

A instalação da Comissão e a participação das entidades de Direitos Humanos presentes, como algo do que se  poderia descrer até o início da solenidade, vai garantir o levantamento das provas e a apuração das denúncias. As evidências destruídas, os corpos mutilados e espalhados por cemitérios e os registros apagados – por serem muitos crimes, em muitos anos e a serem apurados em pouco tempo – já ganharam a história.

Ademais há os lugares macabros usados para a tortura. Talvez esse trauma, por ser o maior, que matou e magoou o maior número de brasileiros em todas as guerras verdadeiras de sua história, tenha o poder de quebrar o encanto que nos impede de olhar para nosso passado. Este ato nos faz descobrir que todos os povos têm história de infâmia, dor e humilhação, mas que se redimiram quando governos decentes não lhes negaram seu passado.

A densidade política do ato não dá conta da humana. O ato político começou no enfrentamento da direita no Congresso, caudatária de autoritarismos envelhecidos, deletérios e caricaturais de todas as ordens, e irá até o fim do mandato da comissão e do relatório. O ato humano não. Este é redentor do nome, da identidade e da luta de cada brasileiro/a que ‘caiu’ naquele período. Ele é que restitui a cidadania às suas famílias, que voltam a ser brasileiras.

Além de ser o ato de uma mulher – que os ex-presidentes presentes, por razões diversas, não realizaram – é o defrontar-se com a própria dor de Dilma, vivida por 21 dias, aos 21 anos de idade. A foto da ‘menina’ diante dos algozes fardados que cobrem o rosto – dos poucos momentos em que vergonha é publicamente assumida – mostra a história de superação política, a mesma que Lula viveu no plano social.


O ato da presidenta, por se ligar à estirpe do brasileiro comum, que luta firmemente com as circunstâncias, enfrenta as dificuldades, supera os desastres, é hermenêutico. Nos faz entender que “a vida é assim: esquenta e esfria, aperta daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem", como nos ensinou Guimarães Rosa. Desta citação, o jornalista Ricardo Amaral tirou o título da biografia de Dilma: A vida quer coragem <http://www.esextante.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=7155&sid=2>


3 comentários:

Pr. Edson disse...

Tal perspectiva é muito importante para os jovens desta nação. O descortinar de todas as atrocidades feitas em nome da Pátria. O que nos leva a sua citação durante curso na PC o discurso de Riobaldo e a teologia pública, "ha situações em que um gesto vale mais que as palavras; pois este transmite toda a intensidade do momento". Logo, suas palavras fomentam com intensidade este momento histórico onde todos os brasileiros que direta ou indiretamente foram vitimados por este sistema autoritário e corrupto.

Prisca disse...

Chorar com os que choram é coisa que nem todo mundo consegue, exige sensibilidade para entrar na dor do outro. Jesus chorou, e Dilma chorou, e aqui o texto chora palavras para além de informar, impulsar os leitores a refletirem sobre a sua coragem de viver. Gostei, é sempre bom ver um texto muito bem escrito e com emoção. Acredito que por meio das emoções que as coisas mudam, somente com a razão, as coisas tendem a se petrificar e virar museu, né?

abraço!

transcenderapalavra disse...

Obrigado, Prisca! bj

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