quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Avançar ou recuar na caminhada ecumênica

Antonio Carlos Ribeiro

O passo necessário para que as igrejas desenvolvam uma agenda ecumênica produtiva é um “impulso ecumênico para a celebração conjunta” das igrejas evangélicas entre si e a igreja católica. Quando a igreja católica romana exige o reconhecimento da centralidade para o estabelecimento da comunhão, rompe o sentido do esforço ecumênico. Se as igrejas evangélicas, reformadas, anglicanas e livres reagem com a mesma postura, fazem eco à mesma atitude. Se insistem no diálogo, avançam no esforço ecumênico.

Os dilemas vividos pelas igrejas cristãs ao elaborar sua prática ecumênica passa por sua auto-compreensão teológica, pelo relacionamento com as demais igrejas ecumênicas e com a sociedade. Aqui não se pensa em termos de comunidades locais, mas de grandes corpos eclesiásticos mundiais. Os valores centrais a partir dos quais ela elabora sua identidade determinam seu papel e atuação, bem como se estabelece relações hegemônicas ou abertas com as demais igrejas e com as sociedades humanas.

Com base nestes critérios, as igrejas ecumênicas se organizam em famílias confessionais, em organismos ecumênicos regionais e num organismo mundial, que promove um encontro de propostas, projetos e lideranças, construindo a comunhão através de experiências de serviço, com vistas a se ajudarem mutuamente, debaterem temas relevantes e buscarem a comunhão ecumênica.

A recente visita do Papa à Alemanha provocou duas reações que talvez se destaquem entre as diversas por sua sinceridade na avaliação teológica e mesmo seu senso pastoral. Trata-se das reações dos bispos Michael Bünker, presidente do Conselho da Igreja Evangélica na Áustria, e do Bispo Dr. Mark Dröge, da Igreja Evangélica Berlim-Brandenburg-Silésia. Os dois se mostraram decepcionados por causa das expectativas criadas, que a seu ver , resultaram em frustração.

Bünker afirmou que o impulso ecumênico na celebração em conjunto com bispo evangélicos – a principal tônica da visita preparatória para a celebração dos 500 anos da Reforma – falhou. Ele entendeu que deveria ser o momento para "a Igreja Católica Romana mostrar tem um interesse verdadeiramente ativo no diálogo com a Igreja Protestante”, afirmou.



O encontro começou com uma celebração ecumênica no mosteiro dos monges agostinhos, onde em seguida seria realizada uma reunião. O bispo austríaco entendeu, como parte significativa dos presentes, que o sinal deveria ser o evento ecumênico, um culto comum às duas tradições que se realiza num lugar histórico. A simples formalidade, que não estabelece relação e não se deixa tocar, entre pessoas do mesmo país e cultura, foi a pior surpresa.

Nesse contexto, é que a fala de Kathrin Göring-Eckhardt, vice-presidente do Parlamento Alemão desde 2005 e agora presidente do Sínodo Evangélico, foi chamada por Bünker de “espiritual”, por suscitar a humanidade de "um rosto diferente" entre as duas igrejas. Ela deixou claro que "a Igreja Protestante é a igreja onde mulheres e homens são eleitos da mesma maneira para todas as funções ativas” – lugar do qual podem cooperar "com respeito e como iguais" – e não apenas masculina e hierárquica.

O segundo bispo a manifestar-se de forma pública foi o Dr. Mark Dröge, da Igreja Evangélica Berlim-Brandenburg-Silésia. Mais direto, ele classificou a visita de “decepcionante, irritante, uma oportunidade perdida”. Ele já tinha considerado a expectativa absurda, mas diante do fato, disse que a aparente sobriedade desse Papa não tem nenhuma paixão, não apresenta nenhum conceito de ecumenismo e não traz sequer uma ideia de trabalho teológico, o mínimo a aguardar num ambiente de tradição e erudição.



Ele observou que sequer foram destacados os avanços da Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, nem aproveitou a oportunidade e pouco acrescentou. Isso levou Dröger a concluir que “a atitude do Papa não afeta a nossa auto-compreensão protestante. Não estamos esperando por dádivas ecumênicas”, mas o que os evangélicos e a sociedade esperam é um debate sério, a partir do qual as igrejas entendam como corresponder ao Evangelho de Jesus Cristo.

Ele observa que não basta lembrar o Deus misericordioso, de Lutero, mas a resposta Reformada enfatiza a confiança em Cristo, a palavra por si só, e apenas a graça (sola gratia). Incisivo no cerne da proposta, Dröger não se contenta com o desapego, mas afirma “com Paulo que o verdadeiro serviço de Deus no mundo cotidiano está ocorrendo”.

Sente, como bispo, que a igreja deve debater temas como a “ordenação de mulheres – a partir da plenitude de Cristo (Gálatas 3:28)”, assim como em temas como homossexualidade, observando que “também a eles a indiminuível imagem de Deus é concedida”, e finalmente, lembrou o papel dos leigos, insistindo que “cada ser humano batizado cristão é chamado à responsabilidade na Igreja de Cristo, como o nosso convite à Ceia do Senhor, porque o próprio Cristo convida todos os batizados à partilha de pão e vinho”.

Ao que parece, o diálogo ecumênico tem se tornado tenso – mesmo entre alemães - não tanto por razões doutrinais, como seria de esperar. Mas se tem esperado outras razões, mais pastorais. Fugir ao diálogo com a modernidade não capacita as igrejas cristãs ao testemunho neste tempo, com suas interpelações.

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